Motagua:

Um rio que nasce na Guatemala e agoniza em Honduras

Uma avalanche de lixo viola as fronteiras centro-americanas e ameaça desencadear um conflito diplomático

Por: Jorge Rodríguez, Richard Carbajal e Misael Colindres.

| Publicado em 14 de março de 2022 |

A cena é cinematográfica: Um menino coleta miniaturas de plástico na praia para dar à mãe, que as coloca no tradicional presépio de Natal. Que diferença faz que os bichinhos de brinquedo estejam mutilados ou descoloridos para os olhos infantis de Eduardo — hoje com 22 anos, transformado em fotógrafo da natureza e promotor turístico —, pois eram “presentes” trazidos pelo rio, como mais um milagre do paraíso caribenho de ondas cristalinas e brisa marítima onde passou sua infância.

Eduardo Omoa

Assim é Omoa. Um dos principais destinos turísticos de Honduras, um país da América Central que recebe cerca de um milhão de viajantes internacionais por ano. A pequena cidade localizada ao norte conta com um atraente passado colonial, evidenciado pela fortaleza de San Fernando, por uma gastronomia variada e uma vibrante diversidade cultural proporcionada pelos 57 mil mestiços e garífunas, povo afrodescendente das regiões caribenhas de Belize, Guatemala, Honduras e Nicarágua.

A escassos 30 quilômetros desta cidade deságua o rio Motagua, cujo curso d’água de 486 quilômetros se origina na Guatemala e serpenteia sete ecorregiões, nas quais é possível apreciar o icônico quetzal, ave sagrada dos maias; o heloderma, um pequeno réptil tão venenoso que os moradores afirmam que é preciso cuidar da própria sombra de sua mordida e, claro, a onça-pintada, o imponente felino americano que domina a selva tropical centro-americana onde, finalmente, o doce fluxo se incorpora às águas do Caribe.

É a imagem de um paraíso que, no entanto, tem sua própria cobra. Há alguns anos, o mesmo rio que dava brinquedos a Eduardo é o veículo de uma desgraça para os habitantes da região e de um conflito ambiental que hoje ultrapassa as fronteiras internacionais.

Quando criança, ia à praia procurar brinquedos no lixo, inconsciente do problema; hoje vejo a realidade e é triste como transformamos nosso lar em um lixão”, contou Eduardo Rivera, fotógrafo de natureza e promotor turístico, ao lembrar de quando caminhava com amigos e familiares pelas margens do mar do Caribe na comunidade de Masca, no município de Omoa do departamento de Cortés, ao norte de Honduras.
Foto: Carlos Palma

Mapa Omoa

Emigrar pelo lixo

O Motagua nasce em Joyabaj, que em maia - k'ich'e “Xol abaj - significa “entre pedras”. Durante o esplendor pré-hispânico desta cultura, seu traçado funcionou como uma rota comercial de grande valor, devido ao fato de, na mata seca de sua bacia, particularmente na zona média, se encontrar o único reservatório de jade da Mesoamérica e de importantes depósitos de outras pedras de calcário, como o mármore.

Mas sua história contemporânea está marcada por outro tipo de abundância. Os assentamentos rurais ou semiurbanos, a falta de infraestrutura eficaz para a gestão de resíduos e para o tratamento de água e a cultura dos detritos dotaram o leito do rio uma vocação infeliz: um vertedouro de lixo.

Quanto lixo recebe este corpo d'água? A resposta não é fácil. Mas um cálculo rápido fala de um grande problema. De sua origem na Guatemala até o Caribe hondurenho o rio atravessa 80 municípios habitados por cerca de cinco milhões de pessoas, que, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais da Guatemala, despejam em média 0,52 quilo de resíduos diariamente: garrafas plásticas, utensílios de todo o tipo, roupas inúteis e até animais mortos.

O rio recebe tudo aquilo que perdeu seu valor utilitário e que escapa às autoridades guatemaltecas, as quais anunciaram com grande alarde em 2021 a captura de 1.550 toneladas de resíduos sólidos, um esforço titânico que, no entanto, não impediu o Caribe hondurenho de receber 600 toneladas de resíduos que impactaram mais de 60 quilômetros de praia em Omoa.

“Limpamos o lixo que não é nosso. Tudo vem da Guatemala e podemos limpar pela manhã, mas não adianta nada, porque à tarde já está cheio de lixo novamente”, lamenta Ricardo Alvarado, prefeito de Omoa e testemunha do fluxo constante de lixo que tanto hoteleiros como pescadores, voluntários e militares retiram várias vezes inutilmente.

“Na temporada de inverno, contabilizamos até 60 toneladas de lixo coletadas por dia. Isso significa uma perda para nós, pois são investidos aproximadamente US$ 4.059”, acrescenta Alvarado, que serviu como prefeito de Omoa por 12 anos.

Enquanto o panorama nas zonas turísticas é desalentador, o que acontece nas áreas de escassos recursos é catastrófico. Como na Barra do Motagua, uma área localizada a uma curta distância do encontro do rio com o mar, declarada de alto risco e não habitável para as 80 famílias que ainda vivem ali e que estão em processo de realocação pela ONG Capacitação, Educação, Produção, Unificação, Desenvolvimento e Organização (CEPUDO-Honduras).

Apesar de seu destino iminente, os futuros emigrantes do lixo continuam sua luta a favor do meio ambiente. Como Paula Yesenia Rivera, mãe solteira de três filhos, que, com outras famílias, dedica parte do seu tempo ao reflorestamento do manguezal para conservar a biodiversidade, proteger a zona costeira da erosão e para que a planta sirva de ninho e alimento para diferentes espécies de aves residentes e migratórias que chegam aos solos hondurenhos.

“Não é algo fácil, é uma vida inteira, são 33 anos vivendo aqui para te falarem: vá embora e não volte”, diz Rivera, que lembra que em 2019 tiraram da área “mais de 3 mil sacos de lixo”. Agora são eles que se vão, o lixo venceu esta batalha.







Omoa, Honduras

Fotos: Carlos Palma

Limpamos o lixo que não é nosso. Tudo vem da Guatemala e podemos limpar pela manhã, mas não adianta nada, porque à tarde já está cheio de lixo novamente”
Ricardo Alvarado, prefeito de Omoa
Foto: Carlos Palma

Águas contaminadas

A água do Motagua não só transporta objetos obsoletos, mas também é um líquido envenenado. Uma pesquisa apresentada em 2020 pelo Instituto Nacional de Sismologia, Vulcanologia, Meteorologia e Hidrologia (INSIVUMEH) da Guatemala mostrou que de um total de 27 bacias analisadas (20 rios, 3 lagos e 3 lagoas), incluindo a do Motagua, somente 5 rios e 3 lagoas mantêm condições próprias ao consumo humano.

A razão? A presença de estações de tratamento de água é quase simbólica. Apenas 17,5% dos municípios envolvidos contam com uma estação de tratamento de águas residuais e estas, em sua maioria, carecem de uma gestão adequada ou de recursos para a sua manutenção.

“Pensam que as municipalidades não têm vontade política, esse é o imaginário. O que realmente acontece é que não possui a quantidade de recursos necessária para esse tipo de investimento. Um é o investimento para fazê-las e outro, para mantê-las”, comenta Marvin De León, presidente da Associação Nacional de Municipalidades da República da Guatemala (ANAM).

Uma problemática que aumenta no âmbito nacional. Segundo os dados obtidos pelo projeto binacional Gestão ambiental integral da bacia do rio Motagua, financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), na Guatemala "se estima que 66% dos resíduos sólidos urbanos não são coletados e não há garantia de que os 34% dos detritos restantes sejam descartados adequadamente”.

Além disso, de 100% dos aterros sanitários em todo o território guatemalteco, 88,32% são ilegais ou não possuem autorização municipal. Do lado hondurenho, as coisas não parecem melhores.

Dos 24 municípios da bacia do rio Motagua pertencentes a Honduras, apenas Cabañas e Santa Rosa de Copán, no departamento de Copán, assim como Choloma, Puerto Cortés e San Pedro Sula, no departamento de Cortés, possuem aterros sanitários, mas os 19 restantes são lixões a céu aberto, de acordo com o relatório da Direção de Gestão Ambiental do Departamento de Resíduos Sólidos da Secretaria de Recursos Naturais e Meio Ambiente (MiAmbiente+).


Mapa Omoa

Riscos ecológicos

Os humanos estão longe de ser os únicos afetados pela maré contaminante. As avalanches de detritos que descem às praias de Omoa e à áreas mais distantes dos municípios insulares de Honduras se transformam em uma crosta gigante composta de resíduos sólidos, máscaras, sacolas plásticas e garrafas PET, que, ao flutuarem na superfície marinha, impedem a passagem da luz solar e frustram a fotossíntese, ou seja, a geração do primeiro elo da cadeia alimentar com efeito dominó negativo sobre todo o ecossistema.

E enquanto um vídeo de uma tartaruga da qual se extrai um canudo do orifício nasal se tornou viral há alguns anos na internet, a ponto de desencorajar o uso desses utensílios para bebidas em muitos lugares, é preciso imaginar o potencial de conscientização que as imagens do que se vive aqui todos os dias poderiam gerar: tartarugas marinhas desorientadas e impotentes, porque simplesmente não conseguem encontrar um local adequado para nidificar devido ao acúmulo de resíduos plásticos na praia. Isso se antes não perecerem asfixiadas no mar, diante da impossibilidade de distinguir entre uma sacola plástica semi-flutuante e uma medusa, um dos seus alimentos preferidos.

Futuro incerto

Os comerciantes de Omoa e uma associação formada por prefeitos de vários municípios caribenhos de Honduras e Guatemala começaram a falar de uma petição internacional contra o Estado guatemalteco pelos danos causados pela poluição do Rio Motagua.

Embora nada tenha se materializado em documento palpável e tudo pareça permanecer em troca de declarações, a verdade é que as reuniões se intensificam e buscam incorporar na petição a municipalidade da Cidade da Guatemala, com o argumento de que o lixo que viaja pelo Motagua provém, em sua maior parte, de lá.

"Estamos cansados de reuniões com autoridades da Guatemala, praticamente apenas para tomar um café, o que queremos são respostas", diz Ricardo Alvarado, prefeito de Omoa.

Por sua vez, Maribel de Umaña, presidente da Câmara de Comércio de Omoa, afetada pelos resíduos que chegam ao seu negócio localizado na praia, afirma que “o Conselho Hondurenho da Empresa Privada - Cohep - tornou público que ia entrar com uma petição, não sei se já iniciou com a gestão, mas, sim, que ia denunciar como empresa privada”.

Devido ao fato de as gestões guatemaltecas não terem alcançado a solução esperada, a empresa privada hondurenha também analisa entrar com uma petição contra o Estado da Guatemala, já que somente no turismo as perdas chegam a US$ 2.647.756 mensais, de acordo com a câmara de turismo. Além disso, os danos à imagem do destino e do país são incalculáveis.

A escalada do problema levou o Governo da Guatemala por meio do Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais (MARN) a informar durante a Cúpula de Ação Climática das Nações Unidas de 2019 que havia instalado em diferentes rios mais de 200 "biocercas", um desenvolvimento tecnológico nacional do qual se orgulhavam e que tinha o objetivo de deter os resíduos sólidos, antes de chegarem aos oceanos Pacífico e Atlântico. O investimento de quase dois milhões e meio de dólares não pôde ser justificado diante dos pobres resultados.

Do lado de Honduras, a convocação de mais alto nível foi feita por Liliam Rivera, ex-secretária de Estado do Gabinete de Recursos Naturais e Meio Ambiente do governo hondurenho, para tratar do tema do rio Motagua, que, mediante um comunicado pediu a empatia das autoridades guatemaltecas, assim como de toda a população, ao "grande esforço" realizado para limpar suas praias.

“Honduras tem reiterado que busquem soluções concretas, sustentáveis e, acima de tudo, permanentes para deter o dano ambiental e transformar as áreas afetadas em regiões com os maiores níveis de desenvolvimento”, concluiu um comunicado, na qual a palavra “país irmão” apareceu em várias oportunidades, mas que não evitou a acusação da ineficiência da biocerca localizada em El Quetzalito, na qual foram investidos US$ 2,44 milhões, que somente é funcional na estação seca.

O legado da Guatemala?

Eduardo Omoa

Ninguém quer cuidar do lixo do vizinho. No caso do curso d’água do Motagua, o conflito começou a se elevar em âmbito internacional. Diferentes governos de Honduras e Guatemala levam anos buscando uma solução para os detritos que flutuam pelo rio até as costas hondurenhas, mas, na opinião dos afetados, os presidentes não fazem nada, só têm sido promessas há mais de uma década.

Para a presidente da Câmara de Comércio de Omoa (CCO), Maribel de Umaña, o impacto desta problemática ambiental faz com que seu município seja mal visto pelo turista: “aqui há um dano de imagem no qual temos de trabalhar e reverter, as praias estão limpas não porque não venha lixo, mas porque gastamos uma enorme quantidade de recursos econômicos e humanos para mantê-las limpas”.

O conflito levou a ações que estabelecem medidas reativas, como a construção de cercas no rio. Em 2007, Yuri Guzmán, um funcionário da Autoridade para a Gestão Sustentável da Bacia do Lago de Amatitlán (AMSA), junto a outros colegas de trabalho conceberam um mecanismo para impedir o translado do lixo.

“Depois de alguns testes, decidimos trabalhar com três plásticos (PET) em uma sequência um cheio e dois vazios, até chegar ao comprimento da cerca de que necessitamos”, e assim surgiu a cerca artesanal que o ex-presidente guatemalteco, Jimmy Morales, classificou como "o legado da Guatemala para a preservação dos rios, lagos e mares do mundo".

Biocercas
biobardas composición

No entanto, esse tipo de medida com a recuperação e a reutilização de resíduos sólidos, inclusive para fabricar ecoasfalto, que recentemente foi utilizado para a construção de um estacionamento de veículos no Centro Universitário de Izabal, no Caribe da Guatemala, se tornarão pequenos paliativos, se não forem acompanhados de esforços políticos harmoniosos com essas soluções, como o fato de a Guatemala buscar a eliminação dos aterros sanitários ilegais que representam 88,32% dos existentes no território e na publicação do Regulamento para a gestão integral de detritos e resíduos sólidos comuns.

A boa notícia foi a notificação de que até o final de 2020 foram fechados 1.400 aterros sanitários ilegais na Guatemala.

Outra medida positiva foi o anúncio em 2021 por ambos os governos da criação do Corredor biológico Cuyamel-Omoa Punta de Manabique, uma área de 55 mil hectares com a presença de recifes de coral, prados marinhos, manguezais e floresta subtropical, que conecta as duas nações, e uma iniciativa que propõe um modelo de gestão bilateral por meio da participação colaborativa das comunidades, autoridades municipais e governamentais, assim como de outros aliados, como a cooperação internacional.

A situação motivou o Ministro do Meio Ambiente guatemalteco, Mario Rojas, a assegurar que “pela primeira vez em 2021 conseguimos deter a maré de resíduos sólidos no rio Motagua que chegava a Honduras”.

Ambos os governos colocaram em prática o projeto binacional Gestão ambiental integral da bacia do rio Motagua, que contempla a implementação de nove projetos-piloto (seis na Guatemala e três em Honduras), nos quais serão investidos US$ 7 milhões (US$ 3,5 milhões por país), entre os quais se destacam ações como o reflorestamento de manguezais e florestas na parte alta da bacia do rio, bem como a implementação de estratégias eficazes na gestão de resíduos sólidos e o desenvolvimento de tecnologias inovadoras de baixo custo, que ajudariam a gerir de forma mais eficiente as águas residuais e os resíduos sólidos para evitar que cheguem aos corpos d'água.

Para especialistas, como o biólogo hondurenho Ian Drysdale, que trabalha para proteger o recife de coral da Mesoamérica, a verdadeira solução ocorreria se toda a população, não só os políticos, se interessasse por essa situação. "Se continuarmos consumindo como fizemos até agora e elegendo políticos como temos feito até então, não há muito o que fazer", lamenta.




El Quetzalito, Izabal, Guatemala

Fotos: Dony Stewart

Se continuarmos consumindo como fizemos até agora e elegendo políticos como temos feito até então, não há muito o que fazer”
Ian Drysdale, coordenador de Healthy Reefs em Honduras
Foto: Dony Stewart

Uma triste realidade

"É muito triste ver como as pessoas precisam lidar com tanto lixo todos os dias", suspira Don Taco com resignação, um membro da comunidade guatemalteca que sobrevive graças à pesca em Punta de Manabique, a região mais ao nordeste da Guatemala, que faz fronteira com Honduras. Viver cercado por uma pilha de recipientes plásticos que flutuam no rio, sacolas plásticas presas nos galhos das árvores e o aroma intenso do lixo acumulado, sem falar na eventual maré de peixes mortos com plástico em seu interior que eventualmente chega, é uma das condições de vida mais difíceis que alguém deveria ter de suportar.

No entanto, há muitas pessoas que o fazem, e não apenas com o que se vive hoje, mas com o que gradualmente começaram a experimentar, conforme os fluxos de lixo iam chegando.

Primeiro, os membros da comunidade tiveram de aceitar que a água do rio de sua infância não era mais adequada para nadar. Mais tarde, os peixes mortos foram um sinal de que já não era mais uma opção de alimento. Agora, o risco é que já não seja nem ao menos apropriada para irrigar suas lavouras, nem para que essas pessoas, que nasceram aqui, possam continuar vivendo.

Mas a "resiliência", da qual se orgulha o ex-vice-ministro hondurenho do Meio Ambiente, Carlos Fasquelle, obrigou os moradores de Omoa a aproveitar o lixo que o rio transporta: de brinquedos, como na casa de Eduardo, a combustível para acender os fogões dos lares para cozinhar feijões e fazer tortilhas, apesar do risco para a saúde que isso representa. "É um perigo para as crianças", é o lamento mais ouvido em La Barra.

Incrivelmente, depois de milhões de dólares gastos na limpeza das áreas afetadas, da decisão de realocar uma comunidade inteira por causa do risco de vida que corriam, incluindo o dano ambiental e biológico causado pela falta de gestão adequada dos recursos até agora, nada disso tem sido suficiente para motivar as autoridades de ambos os países a encontrar uma solução efetiva.

Apesar de tudo e alheio ao que se passa a centenas de quilômetros de distância, Eduardo espera que, por meio da fotografia da natureza e da promoção turística, mais pessoas aprendam a apreciar o que a sua terra natal tem para oferecer. "Omoa é um paraíso escondido que tem muitas maravilhas que ainda não foram exploradas", diz enquanto captura o pôr do sol da praia com sua câmera.








Chinautla, Cidade de Guatemala

Fotos: Carlos Duarte

É muito triste ver como as pessoas precisam lidar com tanto lixo todos os dias”
"Don Taco", membro da comunidade
Foto: Carlos Duarte

No contexto

Arrecife Mesoaméricano
A contaminação do Recife Mesoamericano
Demanda Honduras
Honduras analisa entrar com petição internacional contra a Guatemala
Arrecife Mesoaméricano
Fim da poluição plástica?

A contaminação do Recife Mesoamericano

México, Belize, Guatemala e Honduras são os quatro países que compartilham o Sistema de Recifes Mesoamericano (SAM), que se estende por mil quilômetros das costas caribenhas dessas nações. É a segunda maior barreira de recife de coral do mundo.

Arrecife Mesoaméricano

Em 2020, a iniciativa Recifes saudáveis para pessoas saudáveis (Healty Reefs for healthy people) analisou 286 locais, dos quais 73 se encontram em Honduras e 10, na Guatemala.

Segundo o relatório, o número de locais classificados como pobres passou de 37% (2018) para 46% (2020). No mesmo período, o número de locais bons diminuiu de 13% para 8%. Guatemala e Honduras são os países onde a situação é mais crítica, devido à perda de biomassa de peixes comerciais e herbívoros.

Essa tendência tem se mantido constante nos últimos cinco anos e se manifesta no branqueamento dos corais, uma doença que poderia estar associada ao excesso de nutrientes depositados nas águas do Caribe da Mesoamérica (provenientes das águas não tratadas e de outros resíduos orgânicos e de origem química).

A situação no SAM é tão grave que, nos arredores da Península de Yucatán, a doença já afetou até 98% de algumas espécies de corais. "Quando nos aproximamos da perda entre 90% e 98% de uma espécie em particular, poderíamos falar do desaparecimento definitivo dessa espécie", disse Nallely Hernández, co-criadora do "Plano de ação da Síndrome Branca em recifes do Caribe mexicano”.

Embora ainda não haja indícios conclusivos de que a contaminação dos oceanos seja a causadora direta dessa doença, ainda assim foi comprovado que a má qualidade da água ajuda na propagação de vírus e bactérias prejudiciais aos corais.

“Alguns bancos no sul do estado mexicano de Quintana Roo ainda não apresentavam (no momento do estudo) sinais da doença, talvez por causa de sua distância da costa. Isso (no entanto) reforça a hipótese da relação entre águas residuais e contaminação da costa ao mar com a doença”, acrescentou Hernández.

Para Ian Drysdale, biólogo hondurenho e coordenador do Healthy Reefs em Honduras, é claro que a mudança de hábitos de consumo, assim como a participação ativa da população são fundamentais para reverter essa situação. "Somos nós que escolhemos as pessoas que nos governam e, se continuarmos a tomar as mesmas decisões, continuaremos com os mesmos problemas".

Embora o Motagua não seja o único responsável pelo lançamento de águas residuais no Oceano Atlântico, não há dúvida de que faz parte desta problemática. “Se como consumidores não exigimos que as marcas mudem seus processos de produção por modelos sustentáveis e em harmonia com o meio ambiente, estamos permitindo que nossos recursos naturais morram”, acrescentou o biólogo hondurenho.

Honduras analisa entrar com petição internacional contra a Guatemala

Empresários e autoridades hondurenhas analisam há mais de uma década entrar com uma petição internacional perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra o Estado da Guatemala para indenizar Honduras pelos danos irreversíveis causados pelo lixo transportado pelo rio Motagua.

Demanda Honduras

Diferentes governos de Honduras e Guatemala estão há anos buscando uma solução para os resíduos que flutuam pelo curso do rio para a costa hondurenha, mas, na opinião dos afetados, os presidentes não fazem nada, só têm sido promessas há mais de uma década.

Para a presidente da Câmara de Comércio de Omoa (CCO), Maribel de Umaña, o impacto desse problema ambiental faz com que seu município seja mal visto pelo turista, já que o lixo proveniente da Guatemala flutua no mar, emoldurando uma aparência negativa à beira mar.

A funcionária explicou que faltam recursos econômicos e o próximo passo é o governo hondurenho assinar acordos com o governo da Guatemala para, assim, encontrar uma saída para o conflito.

Maribel comentou que estão claros os passos seguintes a serem tomados para tratar de uma petição, e apostam que os governos devem continuar avançando no diálogo, "exortando as autoridades a buscarem uma solução definitiva".

Além disso, disse que em relação às autoridades e à população afetada, fizeram o que está ao seu alcance, como é o caso de transcender a problemática em diferentes meios de comunicação para expressar o problema vivido ali, o que considera ter sido o jeito de até o momento tornar a catástrofe visível.

"Isso é o que continuaremos fazendo, já que não temos mais escopo, pois os meios de comunicação farão barulho e nós seremos ouvidos, porque entrar com uma petição não é da noite para o dia e serão os governos que colocarão um fim ao problema".

Em 2020, o Comissário Nacional de Direitos Humanos (CONADEH) destacou que Honduras deve “agir fraternalmente, mas com firmeza e prontidão para alcançar com sucesso, com a devida diligência, uma solução definitiva”.

Do mesmo modo, indica que é preciso assegurar o acesso à Corte Interamericana de Direitos Humanos para que resolva de acordo com as normas do Direito Internacional Ambiental e as obrigações estatais derivadas do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

A contaminação é um desastre ecológico e econômico para uma população que vive da pesca e do turismo, argumentou Maribel de Umaña.

Por sua vez, os prefeitos que compõem a Entidade Municipal do Golfo de Honduras alertam para ações para prosseguir com uma petição internacional contra o governo da Guatemala. O vereador de Omoa, Ricardo Alvarado, confirmou terem recebido assessoria de advogados da Costa Rica para definir os processos legais.

Da mesma forma, protegidos pelo Acordo de Livre Comércio entre a República Dominicana, a América Central e os Estados Unidos (DR-CAFTA), como resultado das pressões, conseguiram obter uma resposta favorável em 2021.

Por meio de um documento, solicitaram que a Guatemala cumpra os acordos ambientais e freie a poluição ou serão impostas sanções ante o descumprimento dos tratados assinados.

Fim da poluição plástica?

Arrecife Mesoaméricano

No início de março de 2022, as Nações Unidas "concordaram por unanimidade em desenvolver um tratado legalmente vinculante para acabar com a poluição por plásticos", segundo o comunicado de imprensa oficial emitido pelo órgão internacional.

O tratado internacional, batizado de "Fim da poluição plástica: rumo a um instrumento juridicamente vinculante", será um instrumento legalmente vinculante, com o qual poderá regular a produção, o consumo e o descarte de produtos plásticos, e com o qual serão determinadas diretrizes gerais para que os governos, as empresas e a sociedade em geral se tornem responsáveis “por eliminar a poluição por plásticos na natureza”.

Este documento buscará integrar os esforços globais para enfrentar a poluição por plásticos em regiões marinhas e costeiras, assim como levar em consideração a ciência para a implementação de soluções para o design, o consumo e a gestão de resíduos plásticos, sem que estes sejam prejudiciais à natureza.

Para conseguir a criação deste documento, a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente formou um Comitê Intergovernamental de Negociação, que “desenvolverá o conteúdo específico do novo tratado, com o objetivo de concluir seus trabalhos até o final de 2024”.

Estamos cansados de reuniões com autoridades da Guatemala, praticamente apenas para tomar um café, o que queremos são respostas”
Ricardo Alvarado, prefeito de Omoa.
Foto: Dony Stewart