"Morrer. Como morrer?” Ela não se via como uma pessoa próxima da morte, ao contrário, sentia-se cheia de vitalidade e ainda mais por ser mãe de um menino de três anos.

Quando o reumatologista deu seu parecer à Mireya Cuesta em 2009, ela não entendeu. Só havia chegado ali por causa de um cansaço que a impedia até de se levantar de uma cadeira; esperava que lhe dissessem para descansar, tomar alguns multivitamínicos e, em alguns dias, retomar sua rotina em Barranquilla. Mas sua rotina, tal como a conhecia aos seus 25 anos, nunca mais seria a mesma.

— E o que é isso, doutor?, tentou descobrir.

— Você vai morrer. Tem mais seis meses, foi a única coisa que ouviu ou se lembra.

"Morrer. Como morrer?” Ela não se via como uma pessoa próxima da morte, ao contrário, sentia-se cheia de vitalidade e ainda mais por ser mãe de um menino de três anos.

As palavras do médico desencadearam uma crise nervosa e, como muitas vezes acontece com essa doença autoimune que acabavam de diagnosticar, um sintoma leva a outro, seu corpo se atacava e o próximo alvo foi o cérebro. Depois de algumas horas, começou a ter alucinações.

A família se assustou assim que a viu chegar em casa; pensou que a haviam drogado no caminho e a levou à clínica onde iria confessar o que lhe passava. "Mamãe, tenho lúpus".

A partir daí, Mireya passou a fazer parte dos números do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) na Colômbia, um dos países com o maior índice de prevalência do mundo. O estudo “Prevalence of systemic lupus erythematosus in Colombia: data from the national health registry 2012–2016”, publicado em 2019, calcula a existência de 91,9 casos em cada 100.000 habitantes, um índice próximo aos altos níveis de outras regiões como as do continente asiático, onde pode chegar a 103 casos em cada 100.000 pessoas, segundo a “Epidemiologia global do Lúpus Eritematoso Sistêmico”, da revista Nature Rheumatology.

As duas causas que poderiam explicar o alto índice de prevalência, de acordo com pesquisa local, são uma melhora nos tempos de diagnóstico e a maior sobrevida dos afetados.

O estudo confirma ainda que a doença afeta principalmente as mulheres, em cada 8, apenas um homem sofre da enfermidade. Dados obtidos do Ministério da Saúde revelam também que, das 283.623 pessoas atendidas com LES entre 2015 e 2021, 89,19% eram mulheres (252.968).



Fonte: Ministério da Saúde e Proteção Social da Colômbia

A ausência de reumatologistas

Em 2009, após Mireya se recuperar daquelas alucinações, que na verdade eram episódios de esquizofrenia causados pelo lúpus, foi tratada na Clínica de la Costa, em Barranquilla. Ali acalmaram seu maior medo: não ia morrer, se recebesse o tratamento adequado.

Felizmente, ela estava em uma das cidades do país com reumatologistas, mas esse não é o cenário em todo o território. No total, existem apenas 260 desses especialistas para cobrir todo o país, distribuídos em Bogotá, Medellín, Cali e a capital do Atlântico, Barranquilla, conforme afirmou a presidente da Associação Colombiana de Reumatologia (Asoreuma), Ana María Arredondo.

Ela esclarece que a pouca oferta se deve ao fato de não haver equipamentos para exames específicos, como ultrassonografia músculoesquelética ou densitometria óssea, em alguns municípios; e existirem, além disso, apenas nove programas educacionais em reumatologia distribuídos em nove universidades: seis em Bogotá, dois em Medellín e um em Cali.

“Isso faz com que os pacientes com suspeita desse tipo de doença não consigam ter acesso fácil a uma consulta e precisem viajar de áreas tão distantes quanto a Amazônia para ver um reumatologista”, destaca.

A dificuldade para trabalhar

Embora Mireya tenha conseguido especialistas para tratá-la, não pôde escapar das dificuldades para trabalhar por causa da sua doença em meio a um contexto colombiano em que as mulheres apresentam uma taxa de desemprego de 15,6%, contra 9,6% dos homens, segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE), de março de 2022. Em muitas empresas, preferem não contratar quem tem lúpus para economizar com licenças médicas ou repousos, diante de uma condição que se agrava pelo estresse laboral.

A barranquilheira tentou por várias vezes retomar seu trabalho em um banco, mas, após alguns meses, sempre surgia um novo sintoma: hipertensão, problemas nos rins (nefrite lúpica), nos pulmões. Tudo a levou a ficar totalmente incapacitada após três anos do diagnóstico e, três anos depois, foi aposentada. Era claro que, aos seus 30 anos, não voltaria a trabalhar, caso contrário o lúpus se agravaria e causaria mais danos em seus órgãos.

Para a médica Arredondo, um problema com o LES nas mulheres é justamente repercutir muito naquelas que estão em idade produtiva, gerando-lhes uma limitação. De fato, o estudo de prevalência anteriormente mencionado mostra um pico de casos entre 30 e 59 anos de idade. “Muitas são mulheres em idade reprodutiva e produtiva que sentem que devem ser úteis à sociedade, às suas famílias, mas para quem as doenças reumáticas causam uma espécie de limitação”, sustenta a especialista.

A falta de uma legislação

Para superar os problemas de oportunidades de trabalho, o acesso a especialistas, tratamentos e cobertura médica, a Fundação Lúpus Colômbia considera necessária uma norma para pacientes com doenças autoimunes, como a Lei 1.392 de Doenças Raras, promulgada em 2010.

“Tentamos colocar o lúpus nessa legislação, mas o Ministério disse que não tinha a prevalência mínima para incluí-lo. Por isso devemos buscar ser ouvidos e não ficar isolados”, afirma seu diretor, Rafael Gutiérrez.

O Ministério da Saúde, porém, avalia incluir as doenças autoimunes no plano decenal, no qual estão as prioridades para os próximos 10 anos para o sistema de saúde, o que melhoraria a velocidade de diagnóstico e o encaminhamento precoce, informa Arredondo.

Enquanto essas medidas se materializam, Mireya não deixou de dar seu testemunho a cada nova paciente que conhece. Para ela, ninguém deveria viver com a angústia de pensar que carrega um sinal de morte por ter lúpus; ao contrário, é uma doença que deixa aprendizados e ajuda a valorizar mais cada motivo para enfrentá-la, como no seu caso, seu filho.


Frentes que avançam com o LES

A médica Gloria Vásquez, docente dos grupos de Reumatologia e de Imunologia Celular e Imunogenética da Universidade de Antioquia, destaca que há vários estudos em andamento na Colômbia. Do ponto de vista das Ciências Biomédicas Básicas, pesquisa-se mais sobre os fenômenos imunológicos existentes nos pacientes, além disso, estão analisando as características genéticas da doença, a relação com alguns eventos do ambiente e os mecanismos fisiopatológicos.

A Asoreuma, por sua vez, vê com aprovação a proposta do Ministério da Saúde de inclusão das doenças autoimunes no plano decenal que estabelece as prioridades para o sistema de saúde nos próximos 10 anos. Com isso, seria possível melhorar a velocidade do diagnóstico, o encaminhamento precoce, bem como os dados sobre a quantidade de pacientes e quais barreiras enfrentam.